quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Regra da maioria [?!...]



Provocação exordial
É possível decisão de maioria que seja boa em si, logo boa para todos? que não seja eivada originariamente de egoísmo e, conversamente, das conveniências espúrias do Jogo do Poder?
Este artigo discute precisamente esse tema. Analisa-o — na peça da dinâmica humana — sob os aspectos ontológico, filosófico, histórico, político, social, antropológico, bem como espiritual.
[...]
A maioria... ela se impõe. Pelo poder de muitos (quando convém) ou pelo poder de um só. Legatária, ab initio, da lei do mais forte e sua real sucessora no Império do Poder, cuida tão somente colocar-se máscaras sociais as mais variadas, conforme a conveniência da época, e, principalmente (é o mais importante...), conforme a conveniência dos exercentes no plantão do Jogo do PoderIsso é  ontologicamente axiomático. Quem o contestará? (Egídio Campos)
Abstract
Majority... imposes itself. By the power of many (when convenient) or by the power of only one. Legato, ab initio, of the law of the jungle and its real successor at Empire of Power, cares so only with put up the most varied social masks, as the convenience of the time, and especially (that is the most important ...) , to suit the players on call at Power Game. That is axiomatic ontologically. Who will contest? (Egídio Campos)

Democracia
Diz-se da democracia que "[...] é o governo do povo, pelo povo e para o povo". Sem mais.
Isso dá o que pensar, sentir, falar e agir. Para começo de reflexão, que é governo e que é povo?
[...]
Assim consta na Wikipedia:
"Democracia ("demo+kratos") é um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos (povo), direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos — forma mais usual. Uma democracia pode existir num sistema presidencialista ou parlamentarista, republicano ou monárquico.
As Democracias podem ser divididas em diferentes tipos, baseado em um número de distinções. A distinção mais importante acontece entre democracia direta ([...] "democracia pura"), onde o povo expressa a sua vontade por voto direto em cada assunto particular, e a democracia representativa ([...] "democracia indireta"), onde o povo expressa sua vontade [por] representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram.
Outros itens importantes na democracia incluem exatamente quem é "o Povo", isto é, quem terá direito ao voto; como proteger os direitos de minorias contra a "tirania da maioria" e qual sistema deve ser usado para a eleição de representantes ou outros executivos."

Aqui inicia-se o dilema. Quem foi que inventou isso que "a decisão da maioria deve prevalecer"? Efetivamente, o que se questiona é: quem garante que a decisão da maioria é a mais acertada?!... Ela é o que é: tão somente a decisão da maioria — acertada e melhor, ou desacertada e pior.
Se se fizer um apanhado histórico, chegar-se-á a uma conclusão simples: a regra da maioria é legatária da lei do mais forte. Vale dizer: com todos os circunlóquios retóricos dos quais se possa valer algum analista filosófico-histórico-ontológico — a ser absolutamente sincero consigo mesmo — chegará, inevitavelmente à conclusão de que a regra da maioria é um velado eufemismo, bem disfarçada hipocrisia social, para a imposição pela força. Regra da maioria é, pois, violência.

"Os argumentos a favor da regra da maioria para a tomada de decisão podem ser reduzidos a dois fundamentais. Conforme o primeiro argumento, a regra da maioria seria justa porque permitiria, melhor do que qualquer outra, a realização de alguns valores fundamentais como a liberdade e a igualdade. Aparece, pois, como um remédio contra a eleição de um autócrata que não respeita a liberdade dos cidadãos nem os reconhece como iguais. Conforme o segundo argumento, a regra da maioria seria justa porque permitiria chegar a uma decisão comum entre pessoas que têm opiniões distintas. Aparece, pois, como um expediente técnico e um remédio eficiente contra a exigência da unanimidade." [destaques em negrito são nossos]

O Professor Nilson José Machado, no seu artigo A maioria sempre tem razão. Ou não., apresenta um abrangente tratado sobre o tema "regra da maioria". Examina-o minudentemente, do aspecto histórico até o ontológico. E conclui o aparentemente óbvio: (1) a maioria sempre tem razão, porque, afinal, reivindica-a pelo expediente que lhe é próprio (a força, de muitos, ou de um só...); (2) ou não, complemento lógico consistente no direito de contestação do acerto dessa razão.
Ao dizer "conclui o aparentemente óbvio", não estou aqui — de forma alguma — desmerecendo o lúcido valor do trabalho do respeitável professor. Não. Até porque, às mais das vezes, o óbvio, por ser idiossincrasicamente óbvio, escapa-nos à observação ordinária, dessintonizada da essência. Com efeito, paradoxalmente, o óbvio nem sempre se afigura como tal, nem sempre se mostra declaradamente. De fato, com expressiva e assustadora frequência, ele precisa de um Sherlock Holmes que lhe desvende o mistério, um Jean-Francois Champolion que lhe decifre o significado dos hieróglifos. Um Cristóvão Colombo que ponha um ovo em pé. Alguém que invente a roda. [...]
Bem, de qualquer forma (com as ressalvas cautelares acima...), para qualquer um que se ponha atento à questão, o enunciado conciso do Professor Machado é, imperativamente, óbvio.

Sobre esses raciocínios, preciso fazer as seguintes considerações:
1) Mas... e quem disse que esse "remédio técnico" é bem-vindo? Em verdade, as mais das vezes ele surge qual "condão de conveniência" para atender a grupos oligárquicos do Jogo do Poder.
Ex positis et meritum citatum, não se justifica — senão pela conveniência apontada, denunciada — o tal remédio técnico. Pelo menos, não no que toca ao que atende à... distribuição de riquezas.
Caímos, aqui, noutra armadilha semiológica? Ora, todos sabemos que "riquezas" aqui significa, transcende, o meramente material. São todas as riquezas: bens, oportunidades etc..
Estou convencido de que a regra da maioria, neutra que seja — pois neutra é, em essência —, pelo mal uso que quase sempre dela se faz, acaba por se tornar coisa ruim.
Pensem na grande jogada que é a manipulação das alter-consciências, alienadas de tudo —principal ( e mais gravemente...) de si mesmas, as auto-consciências. Isso é exatamente o que ocorre, na prática, na esmagadora maioria dos casos. Convém ao Jogo Político (como convém! Doutra sorte, como se manipulariam as massas se elas não estivessem convenientemente alienadas, anestesiadas?). Convém ao jogo de dominação de qualquer ideologia.
2) "A regra da maioria não é sinônimo de democracia.[...]. Eu diria A regra da maioria não é necessariamente — conquanto possa ser — sinônimo de boa democracia.
3) "Para que a regra de maioria seja um instrumento democrático é preciso o exercício do voto!". Preciso discordar sobre ser o voto um instrumento de condução à boa democracia. Por que? Por causa da manipulação [que sempre há...] por parte dos exercentes, no plantão, do Jogo do Poder. Assim, não há como confiar em que votos venham a colocar as coisas na boa e santa ordem. Vejo, aqui, em aparente contraste paradoxal, que o exercício da monarquia seria mais benéfico à coletividade. Melhoremos o cenário: uma aristocracia (na concepção aristoteliana originária, "o governo exercido pelos melhores") seria mais benéfico a todos. Que temos agora, no Brasil? Uma modelo de gestão tripartite [?] (ou quadripartite, por conta da presença do Poder Econômico como, não um quarto poder, senão, em verdade, o primeiro, o soberano poder, ao qual todos os demais se curvam). A imprensa — concebida erroneamente como o quarto poder — é apenas um instrumento do Poder Econômico, o qual subjuga todos os demais. Vejam-se, como exemplos recentes, a conduta do nosso Supremo Tribunal Federal, (1º) no julgamento equivocado e subserviente do Caso Volante, que culminaria com a abolição da excrescência sociopolítica que é o exame da OAB, inconstitucional, ilegal (apesar de legal, na ordem do dia, posto que vigente!) e imoral; (2º) na proibição imposta (ainda que liminarmente) ao Conselho Nacional de Justiça de [pasmemo-nos!] exercer sua fiscalização do poder judiciário. Fica-nos a pergunta: do que têm medo eles? O ditado popular (acertado) diz "quem não deve não teme". Temem eles porque devem? Temem porque têm ficha suja?!... Esclareçam-no! Note-se, pois, que, desafortunadamente, nossa corte suprema é politicamente subserviente, por ser, no fundo, economicamente subserviente. "Tem rabo preso" (com o perdão da má palavra). Não era de esperar diferente: quem é indicado pelo Executivo e, após, sabatinado [?!!!] pelo [!!!!!!!!!!!!] Legislativo só poderá rezar a cartilha que lhe for ditada. Não. Não vejo como o exercício do voto (ainda que facultativo) seja um instrumento conducente à boa democracia. Infelizmente.

Governo
Ou há governo ou não há governo. A propósito: que é governo? Governo é o ato ou o efeito de governar (do grego κυβερνάω, transliterado kybernân, 'conduzir', pelo latim gubernare, 'dirigir um navio', 'conduzir', 'guiar'; 'administrar'; significando, pois, conduzir, dirigir, guiar, prover direção a...).
Vê-se que governar pressupõe a anuência — consentida ou tomada (é o usual) — de alguém (ou de um grupo), para administrar-se, conduzir-se, dirigir-se, em favor de outrem, que governará. [...]
Aqui se retoma a provocação do início do parágrafo: ou há governo, ou não há governo. Ora, posto que sempre há decisão e condução, como quer que seja, das intenções e vontades, sempre há governo. Contudo, na acepção clássica, se não há governo, tem-se a anarquia. Dicotomicamente, tem-se, pois, uma "catarquia" — neologismo proposto para o caso em que há governo.

Formas de Governo
Para início dialético, uma discussão dessas passa pelo crivo puramente convencional-ontológico, antes de desaguar no cenário sócio-político, sua residência e teatro e local de trabalho finalísticos. Por que — indagará alguém — convencional-ontológico? Por isso: na organização sócio-política humana, num dado espaço-tempo, estabelecido o acordo ou pacto social, decorrem-se-lhe consequentemente certas expressões formais, a exibir, no possível, de modo claro e inequívoco, o que se pactuou em comum acordo: são as convenções dali nascidas; eis, pois, sua ontogênese.
Dito isso, que é forma de governo? Mais: que é regime de governo?
O texto a seguir é extraído de BOBBIO,Norberto. A teorias das formas de governo. Trad. Sérgio Bath, 9. ed. Brasília: UnB,1997.
"[...]
Uma história das tipologias das formas de governo, como esta, pode ter inicio na discussão referida por Heródoto (História, Livro III, §§ 80-82) entre três persas (Otanes, Megabises e Dario) sobre a melhor forma de governo a adotar no país após a morte de Cambises. O episódio, apenas imaginário, teria ocorrido na segunda metade do século VI a.C., mas Heródoto escreve no século seguinte. De qualquer forma, o que há de notável é o grau de desenvolvimento que já tinha atingido o pensamento dos gregos sobre a política um século antes da grande sistematização teórica de Platão e Aristóteles (no século IV). A passagem é verdadeiramente exemplar porque, como veremos, cada uma das três personagens defende uma das três formas de governo que poderíamos denominar de "clássicas" — não só porque foram transmitidas pelos autores clássicos, mas também porque se tornaram categorias da reflexão política de todos os tempos (razão por que são clássicas mas igualmente modernas). Essas três formas são: o governo de muitos, de poucos e de um só, ou seja, "democracia", "aristocracia" e "monarquia", embora naquela passagem não encontremos ainda todos os termos com que essas três modalidades de governo foram consignadas à tradição que permanece viva até nossos dias. Dado o caráter exemplar do trecho, e sua brevidade, convém reproduzi-lo integralmente: "Cinco dias depois de os ânimos se haverem acalmado, aqueles que se rebelaram contra os magos examinaram a situação; as palavras que disseram então pareceriam incríveis a alguns gregos, mas foram realmente pronunciadas. Otanes propôs entregar o poder ao povo persa, argumentando assim: 'Minha opinião é que nenhum de nós deve ser feito monarca, o que seria penoso e injusto. Vimos até que ponto chegou a prepotência de Cambises, e sofremos depois a dos magos. De que forma poderia não ser irregular o governo monárquico se o monarca pode fazer o que quiser, se não é responsável perante nenhuma instância? Conferindo tal poder, a monarquia afasta do seu caminho normal até mesmo o melhor dos homens. A posse de grandes riquezas gera nele a prepotência e a inveja é desde o principio parte da sua natureza. Com esses dois defeitos, alimentará todas as malvadezas: cometerá de fato os atos mais reprováveis, em alguns casos devido à prepotência, em outros à inveja. Poderia parecer razoável que o monarca e tirano fosse um homem despido de inveja, já que possui tudo. Na verdade, porém, do modo como trata os súditos demonstra bem o contrário: tem invejados poucos bons que permanecem, compraz-se com os piores, está sempre atento às calúnias. O que há de mais vergonhoso é que, se alguém lhe faz homenagens com medida, crê não ter sido bastante venerado; se alguém o venera em excesso, se enraivece por ter sido adulado. Direi agora, porém, o que é mais grave: o monarca subverte a autoridade dos pais, viola as mulheres, mata os cidadãos ao sabor dos seus caprichos. O governo do povo, porém, merece o mais belo dos nomes, 'isonomia'; não faz nada do que caracteriza o comportamento do monarca. Os cargos públicos são distribuídos pela sorte; os magistrados precisam prestar contas do exercício do poder; todas as decisões estão sujeitas ao voto popular. Proponho, portanto, rejeitarmos a monarquia, elevando o povo ao poder: o grande número faz com que tudo seja possível'. Esse foi o parecer de Otanes. Megabises, contudo, aconselhou a confiança no governo oligárquico: 'Subscrevo o que disse Otanes em defesa da abolição da monarquia; quanto à atribuição do poder ao povo, contudo, seu conselho não é o mais sábio. A massa inepta é obtusa e prepotente; nisto nada se lhe compara. De nenhuma forma se deve tolerar que, para escapar da prepotência de um tirano, se caia sob a da plebe desatinada. Tudo o que faz, o tirano faz conscientemente; mas o povo não tem sequer a possibilidade de saber o que faz. Como poderia sabê-lo, se nunca aprendeu nada de bom e de útil, se não conhece nada disso, mas arrasta indistintamente tudo o que encontra no seu caminho? Que os que querem surgem as facções, e delas os delitos. Os delitos levam à monarquia, o que prova que esta é a melhor forma de governo. Por outro lado, quando é o povo quem governa, é impossível não haver corrupção na esfera dos negócios públicos, a qual não provoca inimizades, mas sim sólidas alianças entre os malfeitores: os que agem contra o bem comum fazem-no conspirando entre si. É o que acontece, até que alguém assume a defesa do povo e põe fim às suas tramas, tomando-Ihes o lugar na admiração popular; admirado mais do que eles, torna-se monarca. Por isso também a monarquia é a melhor forma de governo. Em suma, para dizê-Io em poucas palavras: de onde nos veio a liberdade? Quem a deu? O povo, uma oligarquia, ou um monarca? Sustento que, liberados por obra de um só homem, devemos manter o regime monárquico e, além disso, conservar nossas boas instituições pátrias: não há nada melhor' ". A passagem é tão clara que é quase desnecessário comentá-Ia. A observação mais interessante que podemos fazer é a de que cada um dos três interlocutores faz uma avaliação positiva de uma das três constituições e anuncia um julgamento negativo das outras duas. Defensor do governo do povo (que ainda não é chamado de" democracia"; esse termo tem de modo geral, nos grandes pensadores políticos, uma acepção negativa, de mau governo), Otanes condena a monarquia. Defensor da aristocracia, Megabises condena o governo de um só e o governo do povo. Por fim, Dario que defende a monarquia, condena tanto o governo do povo como o governo de uns poucos (usando o termo destinado a descrever ordinariamente a forma negativa do governo de poucos – a oligarquia). Como já foi observado, o fato de que cada constituição é apresentada como boa por quem a defende e como má pelos defensores dos dois outros tipos tem o efeito de deixar bem clara, no debate, a classificação completa, que será enunciada por sucessivos pensadores, para quem elas não serão apenas três, porém seis — já que às três boas correspondem três outras, más. A diferença entre a apresentação dessas constituições no debate de Heródoto e li as classificações seguintes (como a de Aristóteles) está em que no debate, que é um discurso do tipo prescritivo (vide a Introdução), a cada constituição proposta como boa correspondem duas outras, vistas como más; em Aristóteles, cuja linguagem é simplesmente descritiva. a cada constituição boa corresponde a mesma na sua forma má. A diferença ficará clara nos dois esquemas seguintes:


Monarquia
Aristocracia
Democracia
Otanes
+
Megabises
+
Dario
+
[...]"